No último ano, o agronegócio tornou-se a menina dos olhos do governo federal. Em meio à pandemia, o setor foi responsável por compensar as perdas de setores como serviços e indústria, com a alta das exportações devido à desvalorização cambial do real. Em 2020, quando o Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas produzidas no país) registrou queda de 4,1%, a agropecuária cresceu 2%, puxada pela soja (7,1%) e pelo café (24,4%), que alcançaram produções recordes na série histórica. Já no primeiro trimestre de 2021, em que o país cresceu 1,2% em relação a igual período do ano anterior, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a agropecuária avançou 5,2%. Apesar do bom resultado, especialistas alertam que, para o desenvolvimento da economia brasileira, outros segmentos também precisam se consolidar.

Além disso, produções que não respeitam métodos sustentáveis geram despesas — ao invés de lucro — para a sociedade.

Na semana passada, o governo anunciou que o Plano Safra — crédito rural com taxas de juros de 3% a 8,5% ao ano — terá R$ 251,22 bilhões neste ano, 6,3% acima do valor liberado em 2020. O incentivo é porque há expectativa de que a safra de grãos de 2022 tenha acréscimo de 5% ante o volume colhido em 2021.

Nicole Rennó, pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP, ainda acrescenta que a participação do setor no PIB total brasileiro (de 26,6%, considerando toda a cadeia produtiva) possa ultrapassar os 30% neste ano.

— Esse alto patamar de participação pode, sim, se manter por alguns anos, caso os preços altos das commodities agroalimentares também se sustentem — observa Nicole.

Porém, se por um lado o Brasil lucra bastante com a exportação dessas produções, por outro, tem alto custo para dar continuidade à produção, porque precisa importar fertilizantes e maquinário, conforme explica o professor de Economia do Ibmec/RJ, Tiago Sayão. Ele diz que, o fato de a indústria nacional não ser competitiva em diversas frentes acaba afastando possíveis investidores , que percebem a possibilidade de se inserirem em um mercado predatório.

O coordenador do mestrado profissional em Agronegócios da Fundação Getulio Vargas (FGV), Felippe Serigati, defende que a agricultura, além de proporcionar segurança alimentar ao Brasil e aos seus parceiros comerciais, trouxe mais dólares para o país, o que evitou um enfraquecimento ainda pior do real. Ainda assim, ele avalia que, para que haja desenvolvimento da economia, será necessário aquecer os demais setores, desburocratizar o Estado e investir em capital humano.

— Não tem um único setor que sozinho consiga puxar toda a economia. Para isso, vamos precisar de todo mundo: serviços, indústria, agro, petróleo, minério de ferro — sugere Serigati: — Também é necessário fazer as reformas pendentes, a administrativa e a tributária, para melhorar o ambiente de negócios, além de investir em conhecimento por meio da formação de pessoas, produzindo cientistas de alta qualidade.

Outra questão é a necessidade de geração de postos de trabalho. Com maior uso de tecnologias no campo, trabalhadores foram liberados para outros segmentos. Quem colhia algodão foi substituído por uma máquina mais eficiente.

— É preciso ter políticas de direcionamento e especialização de mão de obra. Empregados qualificados conseguem ter uma boa remuneração na indústria, o que pode nos levar em direção ao desenvolvimento sustentável — diz Sayão.

Mau uso da terra é cobrado da sociedade

Em busca de lucro imediato, alguns produtores ignoram boas práticas agrícolas, e quem paga a conta é a sociedade,que sofre com os prejuízos econômicos e a devastação de áreas protegidas.

De acordo com Jean Minella, pesquisador do Departamento de Solos da Universidade Federal de Santa Maria, do Rio Grande do Sul, modelos inadequados podem prejudicar a infiltração de água, fazendo com que escoe pela superfície , carregando agroquímicos e sedimentos para o interior dos rios.

— Os agroquímicos podem afetar a fauna dos rios e levar ao desenvolvimento de algas que geram toxinas que fazem mal à população — explica Minella: — Outro impacto é o assoreamento, decorrente do transporte de sedimentos. Além de mais enchentes, isso diminui a vida útil de reservatórios usados para a geração de energia.

O pesquisador diz ainda que o agricultor é também um produtor de águas e não deve avançar a lavoura sobre áreas hidrologicamente frágeis.

— A atividade agrícola tem lucros muito altos, mas tem custos elevados também, no rio. O agricultor transfere o problema para a sociedade, que passa a lidar com prejuízos na saúde, alto preço da energia elétrica e inundações.

De bem com a natureza

A destruição de florestas não é requisito para o avanço da agricultura, de acordo com o professor do Mestrado em Economia Agrícola da Universidade Federal do Ceará (UFC), José Lemos. Com o uso de tecnologias, pode-se produzir mais poupando recursos naturais.

Segundo o diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Guy de Capdeville, isso é possível com o uso de tecnologias poupa-terra, que englobam melhoramento genético; integração entre lavoura, pecuária e floresta; gestão da cobertura do solo; manejo de água e nutrientes; e controle de pragas, entre outros. Pelos seus cálculos, com o avanço dos estudos, desde a década de 1970 já foi possível preservar uma área equivalente a 71 milhões de hectares.

— Intensificamos a recuperação de áreas de pastagem e conseguimos evitar a derrubada de árvores — diz Capdeville: — Algum nível de impacto, a atividade agrícola sempre traz. O que queremos é reduzir ao menor nível.

Para estimular práticas sustentáveis, a Agência Nacional de Águas (ANA) tem, desde 2001, o Programa Produtor de Água, que reconhece ações de conservação de água e solo. Dessa forma, produtores rurais que aderem ao projeto são remunerados pelos serviços ambientais prestados.

Fonte: Extra

Foto: Portal Agronegócio